Áreas têm padrões diferentes de funcionamento quando comparadas às de indivíduos magros Pesquisa realizada no Laboratório de Sinalização Celular (Labsincel), da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, revela que algumas áreas do cérebro de pacientes obesos – sobretudo o hipotálamo, região envolvida no controle da fome e do gasto energético –, apresentam padrões distintos de funcionamento se comparadas às de indivíduos magros. Os resultados, referentes à pesquisa de doutoramento da aluna Simone van de Sande-Lee, foram publicados na conceituada revista norte-americana Diabetes. A descrição é inédita na literatura. O estudo foi realizado sob a orientação do professor Lício Augusto Velloso, do Departamento de Clínica Médica, e coorientado pelos docentes Fernando Cendes e Li Li Min, do Departamento de Neurologia.
Até algum tempo atrás, não se pensava em cérebro quando se falava em obesidade. Mas, nos últimos 15 anos, as pesquisas vêm mostrando que os caminhos que levam ao desenvolvimento da doença são, na verdade, bem mais complexos do que se imaginava e que, neles, o sistema nervoso central tem um papel fundamental. “O nosso conhecimento a esse respeito cresceu de tal forma que hoje nós acreditamos que a obesidade decorra, principalmente, de algum erro no processamento de informações que chegam ao sistema nervoso central”, explica Velloso.
Um dos hormônios centrais nesse processo é a leptina, produzido no tecido adiposo, e responsável por levar ao Sistema Nervoso Central a informação sobre a quantidade de energia que está sendo estocada. Quando essa comunicação fica comprometida, torna-se cada vez mais difícil controlar a ingestão de alimentos e o gasto de energia.
Segundo o pesquisador, entender que o cérebro passa a responder inadequadamente à leptina, tornando-se resistente a ela, porque ele está de certa forma lesado por uma inflamação, foi um avanço importante. “E essa inflamação é causada, principalmente, por um dos componentes da nossa alimentação: os ácidos graxos saturados, ou seja, as gorduras saturadas encontradas, por exemplo, na carne vermelha e no leite”, destaca, relembrando estudos anteriores do laboratório que abriram novas frentes de análise para os estudos na área. Em 2009, as pesquisadoras Marciane Milanski e Juliana Contin Moraes publicaram, sob a orientação de Velloso, dois artigos nos quais revelavam a influência dos ácidos graxos no funcionamento do hipotálamo de animais. Os estudos mostraram que as gorduras saturadas possuem propriedades moleculares que, ao ativar uma resposta inflamatória no hipotálamo, causam uma disfunção que, por sua vez, abre caminho para obesidade. Uma vez inflamado, o hipotálamo perde parte de suas funções, permitindo, assim, que ocorra um desequilíbrio entre a ingestão de alimentos e o gasto de energia e, quando prolongado, esse processo inflamatório pode levar à morte de neurônios – processo chamado de apoptose – que têm função central no controle do peso.Na opinião do professor Lício Velloso, a pesquisa feita por Simone van de Sande-Lee ajuda a elucidar aspectos importantes para a compreensão dos mecanismos que le vam ao desenvolvimento da obesidade, contribuindo com futuras pesquisas sobre o tratamento da doença. “Esse estudo é o primeiro passo na tentativa de se entender se os padrões que verificamos em modelos animais também podem ser encontrados em humanos e, simultaneamente, observar se é possível algum tipo de reversão nesse processo inflamatório”, aponta Velloso. “É o primeiro indício de que existe em humanos uma alteração funcional no hipotálamo e que, em pacientes obesos que perderam peso, isso se reverte parcialmente. É importante porque deixa claro que o alvo para se tratar a obesidade é mesmo o Sistema Nervoso Central, o que abre novas perspectivas terapêuticas, como o desenvolvimento de novas drogas, por exemplo”, enfatiza.Perda de pesoO estudo buscou entender de que forma a perda de peso poderia se relacionar com a funcionalidade do hipotálamo em pacientes obesos. Para tal, foram selecionados 13 pacientes com obesidade mórbida – que seriam submetidos à cirurgia bariátrica no Hospital de Clínicas da Unicamp, e 8 indivíduos magros, utilizados como grupo controle. O foco da pesquisa não estava nos efeitos da cirurgia em si, mas nos altos índices de perda de peso por ela proporcionados. “Nós escolhemos pacientes que seriam submetidos à cirurgia bariátrica porque nós queríamos observar possíveis modificações no padrão funcional que porventura viessem a ocorrer após perdas massivas de peso. E a perda proporcionada pela cirurgia gira em torno de 30% a 40% do peso inicial. Assim foi possível observar as diferenças de atividade cerebral no mesmo grupo de pacientes em dois momentos distintos, inicialmente muito obesos e depois significativamente mais magros”, explica Simone van de Sande-Lee. Como os estudos em humanos são diferentes dos realizados em modelos animais – pois não é possível avaliar diretamente o hipotálamo, região nobre e de difícil acesso no cérebro –, os pesquisadores precisaram recorrer a métodos indiretos que pudessem de alguma forma avaliar possíveis alterações na funcionalidade cerebral e optaram por estudar imagens de ressonância magnética funcional (RMf), obtidas antes e depois de os pacientes passarem pela cirurgia bariátrica. As imagens obtidas pelo método funcional são diferentes das disponibilizadas pela ressonância magnética convencional (RM). Isso porque, ao contrário das imagens convencionais, estáticas e congeladas no tempo – tradicionalmente utilizadas para se estudar alterações morfológicas no cérebro, como tumores, por exemplo – as imagens obtidas pela ressonância magnética funcional (RMf) são sequenciais. Por meio de um número bem maior de imagens, obtidas ao longo do tempo e em diferentes momentos, é possível montar algo parecido com um filme do cérebro em atividade e, assim, observar sua funcionalidade.
“As imagens revelaram que existe uma diferença nos padrões de atividade em algumas regiões do cérebro, principalmente no hipotálamo, entre indivíduos obesos e magros. Além disso, verificamos que após a perda de peso, os pacientes passaram a apresentar um padrão funcional mais próximo ao dos indivíduos magros”, ressalta Simone van de Sande-Lee. “Nós não sabemos até que ponto essa alteração pode ser revertida porque os pacientes não atingiram um peso semelhante ao dos magros. Nós não sabemos o que aconteceria se eles perdessem mais peso, se a reversão poderia ser completa. Este talvez seja um dos possíveis caminhos a serem seguidos mais adiante”, aponta a autora.
Para avaliar o funcionamento do cérebro durante a captação das imagens, os pacientes foram estimulados com glicose. Logo após a ingestão do nutriente a atividade neuronal cresceu rapidamente em todos os grupos (magros, obesos antes e depois da cirurgia), mas, depois de algum tempo, padrões distintos foram observados.“Nós observamos que a atividade neuronal do obeso, antes da cirurgia, logo cai; a do magro, se mantém estável; e a do obeso, depois da cirurgia, fica entre esses dois padrões. A interpretação mais plausível para esses dados é a de que no período subsequente ao estímulo com glicose, ou seja, um estímulo que mimetiza ou reproduz a alimentação, o indivíduo magro mantém a atividade neuronal, como se ele estivesse com a sensação de saciedade; o obeso antes da cirurgia, perde-a rapidamente, e volta a ter fome num período curto de tempo; e o paciente que perdeu peso, massivamente, apresenta uma atividade intermediária. Ele recupera parcialmente esse controle sobre a saciedade”, descreve Velloso.CitocinasAlém da ressonância magnética funcional, foi utilizada ainda a análise do líquido cefalorraquidiano (LCR), coletado também antes e depois da cirurgia bariátrica, a fim de verificar a concentração de citocinas e outros marcadores de inflamação. As citocinas, que podem ser classificadas como pró-inflamatórias e anti-inflamatórias, são substâncias produzidas pelo sistema imune e têm a função de participar tanto da indução como do controle de um processo inflamatório. “O objetivo inicial da pesquisa era encontrar evidências do processo inflamatório que já havia sido observado em modelos animais, mas em razão dos métodos disponíveis atualmente, não foi possível detectar a presença de citocinas pró-inflamatórias. Mas nós encontramos um aumento de citocinas anti-inflamatórias após a perda de peso, o que sugere que existia inflamação no sistema nervoso central anteriormente”, assinala a pesquisadora Simone van de Sande-Lee. Diabetes Segundo Velloso, a pesquisa realizada por Simone van de Sande-Lee é importante ainda porque abre caminho para novas perspectivas e frentes de análise também em relação ao diabetes. “Sabemos que o hipotálamo também tem um papel central no metabolismo de glicose. Um dos próximos passos seria observar, por exemplo, se há diferenças no padrão de funcionamento do hipotálamo entre pacientes obesos diabéticos e pacientes obesos não diabéticos”, adianta. Dados internacionais demonstram que a principal causa de diabetes no mundo é obesidade. Cerca de 80% das pessoas que têm diabetes tipo 2 desenvolvem a doença em decorrência da obesidade.Um dos principais problemas de saúde pública da atualidade, a obesidade traz consigo, além de repercussões sociais e psicológicas, uma série de outras doenças como hipertensão, aterosclerose, doenças hepáticas e pulmonares, e alguns tipos de câncer, como os de fígado, estômago e esôfago, por exemplo. Para entender um pouco mais sobre este assunto, assista à palestra Obesidade em 3 atos, proferida pelo professor Lício Augusto Velloso no projeto
“Aulas Magistrais” disponível no link no site da Pró-Reitoria de Graduação (PRG) da Unicamp.FONTE: Jornal da UNICAMPhttp://www.unicamp.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário